ganhei a aposta
não força não força
não força não força”
Desilusão. Desalento. Destruição.
A trinca de dês que, cronologicamente, sintetiza suas reações após o fim. Nada
muito diferente da maioria dos términos de relacionamento.
Um golpe mais profundo, no
entanto, para alguém que insiste em acreditar no amor com a mesma fé cega dos
que creem em astrologia ou dos que duvidam da chegada do homem à lua.
Havia modificado sua vida,
ajeitado tudo em função de seu par. Sem perceber, foi absorvendo a escuridão, o
peso que a circundava e, por mais que houvesse uma ponta de alívio, se
computássemos a soma dos dês, o fim teria como produto o Desperdício.
“sozinho eu vou ficar melhor
só por mim, eu vou ficar melhor”
Uma auto-degradação diluída numa
satisfação ilusória em estar só. Transformou seu canto em esconderijo
paradisíaco para sua solidão. Ali, fechado, isolado do mundo, acreditava
possuir tudo de que necessitava: livros, discos, filmes, um tanto de álcool, o
olhar atento e vigilante de Borges, Machado, Fiódor, José e Rosa; e se, vez por
outra, a tristeza quisesse entrar... não tem nada não, havia seu violão.
Assim, ajudado por seus
fantasmas, a solidão parecia-lhe confortável, agradável, até. Estava tão
voltado para si mesmo, que, quando saía ou pensava na possibilidade de estar com alguém, era a si mesmo – ou o
que acreditava ter se tornado – que procurava.
Buscava, em lugares de
divertimento, uma mulher que parecesse entediada com a vida; que gostasse mais
de livros do que de gente; que se encontrasse, fechando-se; que acreditasse nos
mesmos valores; quem sabe, até carregasse em seu corpo também, a imagem de sua
banda preferida. Como na “carta que não foi mandada”, era o espelho que
procurava encontrar.
“quando me vi tendo de viver
comigo apenas
e com o mundo
você me veio como um sonho bom
e me assustei
não sou perfeito
eu não esqueço”
A vida, no entanto, possui seus
perigos e também seus encantos. E resolveu, abruptamente, retirá-lo de sua zona
de conforto. De uma hora para outra, não estava mais só. “Uma flor nasceu na
rua!”, iludindo a polícia, rompeu o asfalto.
A possibilidade de aparecimento
do amor, até então refugiado abaixo, mais abaixo dos subterrâneos, trouxe
consigo os medos: da vida, da dor, de ser feliz, das diferenças, d“estar por
fora, medo andar por dentro do seu coração”.
Paradoxalmente assustado com a
felicidade, pergunta: “E agora, José?”.
Saramago, porta-voz de tanta
beleza, mais confunde do que esclarece, acena com sete luas e sóis, do mais
bonito e dolorido amor. Enciumados com a pergunta dirigida, começam a falar ao
mesmo tempo: Machado, com seu olhar ferino, ironiza sua situação; Borges
admira-se com o encantamento pelo reverso do espelho e alerta para a
inevitabilidade dos labirintos do amor; Dostoievski parece duvidar de sua
calma, aponta uma tendência ao exagero e prevê turbulências em sua abertura
para o mundo.
Somente Guimarães Rosa, tão sábio,
versado em enredo e desenredo, nada diz. Apenas observa nosso homem em seu
falso conflito – na realidade, inexistente – e relembra Drummond. Sabe que chega
um tempo em que a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação. E, em seu
silêncio, consegue acalmá-lo com a certeza de que a poesia deste momento inunda
sua vida inteira.
Por Ricardo Pereira
Magnífico. Muita sensibilidade nesse texto. Quem lê se encaixa no contexto e se coloca no lugar do "personagem". Através disso consegue realmente visualizar a situação acontecendo, como em um filme. Apenas grandes narrativas conseguem me trazer tamanha concentração e despertar dessa forma minha imaginação. Parabéns Ricardo! Ah, e bela escolha ao colocar o trecho de Teatro dos Vampiros, uma das melhores letras da Legião.
ResponderExcluirAbraço!
Pedro Luís.
Obrigado, Pedro!
ResponderExcluirFico feliz quando meus textos conseguem atingir as pessoas dessa forma!
Grande abraço
Agora descobri o seu segredo... Grande Tino!
ResponderExcluirAndou lendo os pensamentos de alguém?!
ResponderExcluirLindo texto, lindo mesmo.
ResponderExcluirObrigado, Mayra!
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