“Às vezes quero crer, mas não consigo
É tudo uma total insensatez
Aí pergunto a Deus: escute, amigo
Se foi pra desfazer, por que é que fez?”
É tudo uma total insensatez
Aí pergunto a Deus: escute, amigo
Se foi pra desfazer, por que é que fez?”
Quando mais novo, muito me
inquietavam estes versos de Vinicius. Quantas angústias infantis, adolescentes
não foram embaladas/alimentadas por esta ideia?
E a cada término de
relacionamento, com todas as dores, frustrações e, principalmente, o vazio
decorrentes, não consigo deixar de pensar nisso. Independente da duração do
envolvimento, sejam seis meses ou seis anos, é grande o investimento. Outra
pessoa passa a ocupar tal espaço em seu dia-a-dia, que mesmo quando não se está
junto, não se sente totalmente só. Por isso, a primeira porrada é sempre um
vazio a princípio impreenchível. Seu time pode estar jogando, seus discos mais
importantes sucedem-se antes de chegar à metade, suas cervejas preferidas
parecem fora do ponto. Nada está no seu lugar.
As pessoas falam que só o tempo.
As canções também: “tudo passa, tudo passará”; “as coisas quase sempre acabam”,
difícil é a espera. Até quando queremos acreditar que é a decisão certa, inevitável
lembrar de quando tudo funcionava e cada momento relembrado é uma pontada de
dor. Cada relacionamento desfeito deixa para sempre essa cicatriz, estranha
tatuagem, linha tão sensível que passa a não incomodar, depois de um tempo só a
sentimos se a procurarmos, tateando o lugar específico, visível apenas para
quem sentiu.
Os discos ou canções que marcam
cada fim? Tenho as mais diversas recordações. Seja de um relacionamento
duradouro, antes do término definitivo, naquele momento angustiante em que os
dois sabem que não há mais jeito e tentam se convencer do contrário, procuram
buscar força para continuar. Numa dessas, na madrugada silenciosa, entre lágrimas
compartilhadas, ao fundo apenas o som de um karaokê ao longe, sem ninguém
cantar, apenas a melodia de uma triste canção de Roberto, “De tanto amor”, como
se a falta da voz, a letra apenas na imaginação, representasse a falta que um
faria na vida do outro durante muito tempo ainda. Brega, eu sei. Como todo
amor, como todo fim de amor.
O fim veio meses depois e foi
bater mesmo junto com uma audição desesperadora do Blue, da Joni Mitchell. Outros discos já fizeram papel semelhante
em diferentes ocasiões, no fundo quase todas iguais: Out of Season, O, Changing Horses, Blood on the tracks, claro. Mas a maneira fantasmagórica que as
palavras, a sonoridade, a sensibilidade contida no Blue anunciaram o fim continua imbatível na minha memória,
provavelmente a exagerar os fatos, como quase sempre.
É fácil, nesses momentos,
agarrar-se aos versos mais desacreditados: “não acredito mais no fogo ingênuo
da paixão (...) nessa estrada, só quem pode me seguir sou eu”; “ah, se tu
soubesses como machuca, não amaria mais ninguém”; “sozinho eu vou ficar melhor”.
No entanto, cedo ou tarde, arde no peito “o segredo dos mares por navegar”, e o
sujeito, enganado pelo “espinho disfarçado de rosa”, pela “enganosa euforia do
vinho”, regressa, tonto de sede, para mais um amor, rumo a mais um fim.
Daí não mais me inquietarem tanto
os versos de Vinicius hoje em
dia. Para cada grande ou pequena dor advinda de um final,
fica o brilho de tanta beleza vivida, os momentos de ternura compartilhados que
servem de guia, luz e esperança ao coração e corpo muitas vezes cansados. Fica,
acima de tudo, a gratidão.
“Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também.”
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também.”
Por Ricardo Pereira
Lindo texto, Tino.
ResponderExcluirSaudade, amigo.
Abç
Obrigado, Cadu! Saudades tb,
ExcluirAbs
Queria muito escrever um comentário do tipo "um dia vou escrever igual a esse cara". Infelizmente, não posso. Tino é gênio da raça.
ResponderExcluirHugo Oliveira
Que isso, Hugão!! Aí tb não! rs
ExcluirPor isso é bom ter amigos hehe
Abraço!