Às mães são reservadas intimidade
e uma ligação extraordinária, a começar por dois fatores de grande beleza: a
gestação e a lactação. Os pais, normalmente porto seguro, confiança e proteção
inesgotáveis, podem sentir-se levemente injustiçados em algum momento por esta
supremacia materna. Estes ignoram um importante vínculo de ligação entre pai e
filho: o futebol. Poucas coisas no mundo podem ser maiores para um pai do que
levar o filho ao estádio para ver jogar seu time do coração.
E com este pensamento, o homem
entrou no Engenhão de mãos dadas com seu filho. A primeira vez do rapazinho em
um estádio de futebol. Um jogo aparentemente sem importância maior, seu
Botafogo contra o lanterna do campeonato. E, desde a entrada, o pai, homem feito,
acompanhou todo o espetáculo como se voltasse no tempo, admirando cada detalhe
pelos olhos de seu filho.
O pequeno camisa sete, ao chegar
à arquibancada, era todo ansiedade. Perscrutava tudo com olhos arregalados e
certa seriedade respeitosa. Seu primeiro comentário foi: “pai, o campo parece
tão menor do que na televisão!”. E, continuou sua observação, detendo-se na
torcida, ouvindo os cantos, a tudo observando com uma atenção e concentração de
pequeno adulto.
Os times entram em campo, o jogo
começa e o pequeno a observar tudo com os olhos brilhando de excitação. “Pai,
pai, olha o Seedorf! É diferente dos jogadores comuns, parece um super-herói!” E
não é que o menino estava certo? A postura, o caminhar, uma aura de liderança e
grandeza diferenciava o craque holandês dos demais atletas. Taí! O super-herói
da camisa 10!
Logo no começo da partida, um
ataque do adversário, susto e defesa segura de Jefferson. “É muito bom goleiro,
né, pai?” “Muito, filho, o melhor do Brasil” Tal declaração peremptória vinda
do pai pareceu ao garoto garantia de segurança eterna, na facilidade que as
crianças possuem de lidar com a eternidade.
O jogo prossegue e não demora o
primeiro gol. Para alegria e êxtase do estreante em estádio, de seu mais novo
herói. Após boa trama do ataque alvinegro, Seedorf! E, na comemoração, de mãos
para o alto, aquele negro forte parecia mesmo ter super poderes!
Alguns minutos depois, ao bater
um escanteio, Seedorf sente a coxa e precisa ser substituído. Sai de campo
chorando. E o pai acha tão cedo ter que explicar ao filho sobre a falibilidade,
a humanidade de nossos heróis... Mas o filho, felizmente, nada percebe. “Está
muito fácil, filho, ele foi armazenar energia para as próximas partidas!”.
No final da primeira etapa, como
num filme da sessão da tarde, a inversão de papéis. Cruzamento de Andrezinho,
gol de Dória! E o pai até se surpreende ao comemorar de forma tão efusiva o
primeiro gol do jovem zagueiro como profissional. Há tanto tempo não gostava
tanto de um zagueiro de seu time (Gottardo? Gonçalves? Sandro provavelmente...)
e estava realmente curtindo acompanhar o crescimento de uma promessa vinda das
divisões de base. E o garoto sorria discreto, ao ver o pai como menino
festejando o jovem defensor.
Mal o segundo tempo começa,
Jefferson dá uma bola a Gabriel – outra jovem promessa virando realidade –, o
volante segue, segue, passa o meio campo, o braço gordinho de criança aponta:
“pai, pai, olha, ele tá sozinho!”, nenhum adversário chega na marcação, o chute
de longe: gol! E agora o menino arrisca timidamente uma comemoração um pouco
mais expansiva, para deleite do pai.
E, para a festa ficar completa,
não poderia faltar gol dele. Bruno Mendes, outro menino, este contratado
recentemente e começando sua carreira no Botafogo com pé direito, fazendo gols
seguidamente. Ao desferir o belo remate ao gol, deixou o filho perplexo: “Mais
um, pai, todo jogo ele faz gol!!”. Seria
encantamento parecido com o que ele próprio sentia na adolescência ao ver os
gols frequentes de Túlio Maravilha? Cedo pra dizer, mas uma delícia acompanhar.
Saem os dois do Engenhão, pai e
filho com cabeça e coração a mil. O homem sente, em suas mãos, a mãozinha
quente do filho, lembra dos primeiros anos de vida do menino, em que toda
estrela - no céu, em filmes ou livrinhos - era o Botafogo e sorri orgulhoso. Orgulho
proporcionado por uma equipe ainda em formação, que não ganhou ainda um título
relevante, mas que em um sábado quente no Rio de Janeiro ganhou o coração de
uma criança e, com ele, a eternidade.
Por Ricardo Pereira
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