Mês passado comemorou-se dez anos
de Yankee Hotel Foxtrot, disco mais
importante do Wilco e melhor álbum da primeira década do século. Foi através dele que conheci a banda, provavelmente a que mais ouço atualmente. Conheci
através da clássica história de seu lançamento: recusado pela gravadora, o
disco foi lançado pela internet e, com o sucesso, outro selo da mesma gravadora
que os dispensou, contratou a banda e o disco saiu como eles queriam. Ou seja,
a gravadora pagou duas vezes pelo mesmo produto... Sobre este episódio, recomendo
o excelente documentário I am trying to
break your heart.
Yankee Hotel Foxtrot é um álbum sobre a dificuldade de comunicação,
tema tão caro no mundo atual. Foi uma quebra com relação à sonoridade dos lançamentos
anteriores da banda, enquanto os dois primeiros têm os pés fincados no alt. country,
o terceiro, SummerTeeth, envereda
pelos anos sessenta em pops perfeitos. Em YHF,
estranhamento é a palavra de ordem. Enquanto as canções têm por tema à
incomunicabilidade dos relacionamentos, as músicas são recheadas de ruídos e
microfonias ilustrando o mesmo efeito no desenvolvimento das melodias.
E assim começa a primeira canção,
“I am trying to break your heart”. Entre ruídos, sons esparsos e um violão
conduzindo a melodia, Jeff Tweedy com a voz ébria, cansada, canta uma letra
dolorida, em que se assume bêbado e, de certa forma, as canções são
condicionadas pelo discurso ‘chapado’ em que pensamentos e fragmentos são
expostos em meio à lentidão e melancolia. A segunda, “Kamera”, é mais pop,
relembrando o disco anterior, mas possui discurso igualmente soturno. Um homem
dirigindo em meio à escuridão, caminhando em uma guerra de memórias distorcidas,
apela: “phone my family, tell them I’m lost on the sidewalk” e complementa: “no,
it’s not ok”.
“Radio Cure” foi a primeira canção
do álbum por que me apaixonei. É climática e retoma o estranhamento, com um
violão dedilhado e uma letra declamada com voz entediada, possui efeitos “sujando”
a canção e enriquecendo o discurso, aparentemente de um amante que não vê a
correspondência de seu amor da forma que gostaria e, com a mente cheia,
confusa, vê-se cada vez mais distante da pessoa amada. E o refrão, primeiro
sussurrado, depois mais intenso, num desafi(n)o quase gritado, arrebata:
“distance has no way of making love
understandable”.
“War on war” aparece com bons
violões conduzindo e um teclado “animadinho” contrapondo-se à interpretação de
Tweedy e à letra que crava certeira:
“you have to lose
you have to learn how to die
if you wanna wanna be alive”.
“Jesus, etc,”, um dos hits do álbum,
é daquelas pérolas pop perfeitas, com tudo no lugar: o cravo, violino e uma letra repleta de imagens belas
e melancólicas.
“Ashes of american flags” é
provavelmente minha preferida. Aqui, a livre associação de ideias atinge o ápice,
emocionando até nos versos aparentemente indecifráveis. Contém também o que
poderia ser uma síntese do meu relacionamento com a arte:
“I wonder why
we listen to poets
when nobody gives a fuck”.
“Heavy metal drummer”, o outro
hit, é uma viagem ao passado de ensaios chapados na adolescência, tocando
covers do Kiss. Insere-se no eixo temático do álbum as resgatar o sentimento de
evasão tipicamente romântico, de se refugiar nos prazeres do passado para não
pensar nos tormentos da vida presente.
“I’m the man who loves you” é uma
desajeitada tentativa de declaração de amor. O eu-lírico, reconhecendo sua
incapacidade de verbalizar o que sente, desejava poder segurar as mãos de sua
garota e que, com isso, ela pudesse saber seus sentimentos. A seguinte, “Pot
kettle back” mantém o discurso da incomunicabilidade. Aqui, o receptor é
confuso, absorto em si mesmo, e o emissor deseja uma varinha mágica, pois “cada
momento chega um pouco tarde demais”. No entanto, reconhece que também possui
uma parcela de culpa, afinal: “I myself have found a real rival in myself”.
E chegamos às duas peças melancólicas
que encerram Yankee Hotel Foxtrot. “Poor
places” retrata um sujeio sentindo-se oprimido, fechado em um lugar quente,
precisando sair e encontrar alguém. Há também o sentimento egoísta de
indiferença tão corriqueiro atualmente: “they cried all over overseas and it
makes no difference to me”. E em meio a
microfonias, a faixa encerra com uma voz feminina repetindo o nome do álbum
como um código de rádio.
O disco chega ao final com a belíssima
“Reservations”, dos acachapantes versos iniciais: “how can I convince you it’s
me I don’t like / not be so indifferent to the look in your eyes” e, em que o
mesmo tipo de voz que perpassa todo o álbum, angustiada, sem saber como chegar
ao outro, que sempre “chega tão perto e se afasta”, declara:
“I’ve got reservations
about
so many things
but
not about you”.
E, de forma serena, encerra-se um
dos grandes discos da minha vida. Que conheci na época da faculdade quando
trabalhava à noite em uma biblioteca pouco frequentada no meu horário. Então
ouvia sem parar e sentia que aqueles sons, aquelas palavras expressavam muito
das minhas dúvidas, indefinições de então quanto ao futuro. E, tanto tempo
depois, sinto que estas onze canções continuam a reverberar com a mesma
intensidade por aqui e tenho certeza que assim permanecerão, acompanhando meus
passos como ondas de rádio oriundas de uma estação de (des)inteligência
emocional.
Por Ricardo Pereira
Muito legal o texto!
ResponderExcluirE a banda também!!!!
Valeu, Paulo!
ResponderExcluirFeliz mesmo que tenha sido "contaminado" pelo Wilco hehe
Muito boa resenha do disco. Vou ouvi-lo em breve. Ultimamente estou louca pelo Wilco também.
ResponderExcluir