"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 14 de junho de 2016

Abuso de poder como arte e a arte que abusa do poder – Fita 2016

                                
Depois de um final de semana voltado a outras questões profissionais, eis que retornei à Festa Internacional de Teatro de Angra – Fita na segunda-feira, 13 de junho, para assistir a dois espetáculos do gênero comédia nas tendas instaladas na Praia do Anil. Porém, antes de oferecer minhas impressões sobre as citadas peças, voltemos ao dia 10 de junho, sexta-feira, para algumas linhas a respeito do que assisti naquele ótimo dia.

Às 19h30, o ator Thiago Lacerda subiu ao Palco Sesc – Mostra de sucesso com um elenco afiadíssimo ao seu lado, para encenar Medida por medida, uma peça de Shakespeare que, por conta de sua temática, continua muito atual. A história de um juiz que resolve colocar outro profissional em seu lugar, na intenção de observar o que o homem faz quando tem o poder nas mãos, é, mais do que uma crítica aos abusos causados pela falta de ética e de bom senso, uma mensagem a nós mesmos: somos absurdamente parecidos com aqueles que criticamos. Mais do que gostaríamos.

Quando vemos em cena que as leis que deveriam valer para todos, na verdade, atingem-nos de diferentes maneiras, entendemos perfeitamente o que o escritor e jornalista inglês George Orwell quis nos dizer através de uma passagem do livro A revolução dos bichos. Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. E assim seguimos.


Medida por medida (crédito da foto: Adriano Fagundes)


Mais tarde, às 21h45, a atrizes Beth Zalcman e Simone Kalil subiram ao palco do Teatro Municipal de Angra dos Reis para brindar o público com um dos espetáculos mais simples e emocionantes desta edição da Fita, Brimas. Duas mulheres imigrantes que vivem hoje no Brasil, vindas do Oriente Médio e oriundas de cidades e correntes religiosas diferentes, relembram com alegria, dor e saudosismo das passagens e pessoas especiais em suas vidas. Tudo isso, embaladas por cheiros e sabores de uma cozinha que mais do que alimentar, pacifica o corpo e a alma.

É muito fácil gostar de uma peça que começa com as protagonistas distribuindo quibes à plateia, e que segue mesclando trechos engraçadíssimos com interpretações assustadoramente fidedignas daqueles que, por conta de conflitos variados, tiveram que sair de seus países e tentar a vida em outros cantos do mundo; difícil é não se emocionar com um texto que beira à perfeição e foge de fórmulas fáceis para fazer sorrir ou chorar.

Eu estava na terceira fileira, do lado direito de quem assistia ao espetáculo. Ester, interpretada por Beth Zalcman, arrumava-se para um velório que, no meu entendimento, era o dela mesmo. Sua prima, Marion – Simone Kalil –, pergunta para ela. “E agora? Quem é que vai organizar o meu velório?”

Ester sorri, sabendo que tudo vai se ajeitar. Pede um copo d’água e faz um brinde a todos que não tiveram chance de beber quando estavam com sede.  Sorve o líquido enquanto a luz se apaga.

Então, no escuro do teatro, em meio a uma salva de palmas, você entende que a arte vai além do encantamento. É algo que nos dá esperança de um mundo melhor, de pessoas melhores.

Sigo acreditando na cultura. Sempre.


Brimas (crédito da foto: Guga Melgar)


Por Hugo Oliveira



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