... E eu o declaro Rei
Compositor que teria criado o famoso apelido de Roberto Carlos, Sebastião “Pilombeta” vive hoje em Angra e continua compondo
Por Hugo Oliveira
Segunda, 26 de janeiro, 15h30, Praça do Porto. No dia, horário e local citados, este que vos escreve marcou uma entrevista com uma figura aparentemente desconhecida no que diz respeito à música brasileira. Aparentemente. O contato que me levou a Sebastião Ladislau da Silva, hoje com 75 anos, foi seu próprio filho, o advogado Misael Silva, de 40, que há quatro, vive em Angra, e que há também quatro – não anos, mas meses –, conseguiu convencer seu pai, conhecido como “Pilombeta”, a residir no município. Apelido estranho, não? Vejamos. Ao consultar alguns dicionários na internet, eis a definição: pilombeta – palombeta – peixe pequeno. Seria, então, o negro baixinho, mas de voz e corpo forte, um “peixinho pequeno” no mar musical do país? Nem tanto. “Pila”, como era chamado por certo cantor que começou como um “jovem guarda” – e terminou como “o Rei” –, não era apenas um craque em escrever letras de canções, mas também, em criar apelidos. Foi assim que, em determinada ocasião, na gravadora CBS, no Rio, ele teria chegado a Roberto Carlos e, ao ser apresentado ao cantor, proferido a seguinte frase. “Ô Rei, que prazer em conhecê-lo”. Neste ponto, ele já residia no Rio, e inclusive, já havia cedido uma de suas composições, em parceria com Elias Soares, a outro rei, esse, do baião, Luiz Gonzaga – a música “Vitória de Santo Antão”, que seria gravada no disco “São João do Araripe”, de 1968. A amizade que nasceu do encontro fez com que o cabeludo de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, viesse também a gravar uma música do risonho cidadão nascido em Glória do Goitá, em Pernambuco, “Escreva uma carta meu amor”, com Tito Silva, incluída no disco “Jovem Guarda”, de 1965. Mais do que isso: fez com que o leque de parcerias do compositor se estendesse, embora a carreira na Marinha também não fosse deixada de lado. Ontem, quase famoso; hoje, quase angrense. A trajetória de Pilombeta, seus antigos e novos planos, você confere agora. Ou quase, já que a memória musical do país é falha. A de “Pila”, apesar de todo o tempo de vida, ainda gera boas histórias, e é nela que resolvi apostar.
Fama e anonimato
“Nem sei por que eu o chamei de Rei. Era como se tivesse caído uma luz sobre mim, pedindo para que eu o chamasse de Rei”, conta Pilombeta, em tom empolgado – aliás, tão empolgado que, ao gesticular com os braços, derrubou o gravador que este jornalista segurava, fazendo com que boa parte da entrevista se perdesse. Independente do motivo que o levou a criar o definitivo apelido, a versão de Sebastião é amparada pelo livro “O Rei e eu” de 1979, escrito por Nichollas Mariano – editora Abril Press –, que havia sido secretário e mordomo de Roberto Carlos por mais de 10 anos. O trecho do volume que narra o encontro é este. “(...) Nessa ocasião surgiu outra figura incrível a começar pelo nome ou apelido: Pilombeta. Baixinho, gordinho, preto, sempre de terno e sorridente, a figura espalhafatosa do Pilombeta chamava logo a atenção onde quer que estivesse. Ao que parece ele era sargento reformado da Marinha e o nosso encontro foi na CBS, ele chegou para Roberto e falou: ‘Ô Rei, que prazer em conhecê-lo’. Foi o primeiro a chamá-lo de ‘Rei’ assim em público”. Rapidamente, se transformou em amigo de Roberto, conseguindo que o próprio gravasse duas de suas músicas, a já citada “Escreva uma carta meu amor” e “Tudo que sonhei”, incluída na coletânea “As 14 mais vol. XIX”, lançada em 1967, pela CBS. A chegada de Pilombeta ao Rio, segundo o próprio, foi ao menos parcialmente motivada por Luiz Gonzaga, que, ao visitar a cidade onde o jovem morava, ficou sabendo que ele tinha uma música muito boa. A canção era “Vitória de Santo Antão”, e de acordo com Pilombeta, ao ouvir a letra cantada por ele, o Rei do Baião lhe perguntou. “Você já andou de avião?”. Ao ouvir a negativa, o símbolo máximo do forró sentenciou. “Então se prepare, pois você vai ao Rio de Janeiro comigo, e eu vou gravar sua música”. Perguntado sobre as datas relativas a todo esse processo, Pilombeta respondeu. “Isso faz muito tempo, eu nem me lembro direito”. Cabe aqui a frase de Jim Morrisson, vocalista da banda americana The Doors. “O presente é abençoado; o resto, recordado”. Vamos à benção, então.
Parceria familiar
O tempo passou. Apesar de ter gravado um compacto como intérprete, em 1969, com as músicas “Mulher Bonita” e “Zé de Briga” – esta última, em parceria com Leônidas e um tal de “Di-cro”, que no futuro, seria um grande sambista, e até mudaria a grafia do nome, para “Dicró” –, Pilombeta não foi além, o que não o impede de, até hoje, receber direitos autorais por suas obras, e de ser relativamente conhecido no meio artístico, pelo menos, às gerações mais antigas. A trajetória de Sebastião poderia acabar por aí, com um final relativamente feliz e com um senhor cheio de histórias para contar, certo? “Senhor está no céu”, ele diz, sorrindo, dando a deixa para que seu filho, e agora parceiro musical, Misael Silva, falasse sobre seus novos projetos na área musical. “Eu estudava em Santa Cruz, e morava em Angra. Em muitas ocasiões, trazia meu pai à cidade, e nós vínhamos cantando no carro”, conta Misael. “Num belo dia, acordei com um estalo do tipo ‘vou resgatar o passado musical de meu pai’, e foi aí que tudo começou”. O “tudo” citado por Misael faz alusão à mudança de seu pai, que passou a morar em Angra, com a entrada dele numa banda na cidade, a FusiAngra, em dezembro de 2008, que conta com 11 integrantes – liderados pelo maestro Paulo César –, e com a composição de “Papai é teimoso”, uma marchinha que nasceu da parceria entre pai e filho – com arranjo do maestro e participação total do grupo. Nas palavras do próprio Pilombeta, a música poderá ser “um hino nacional”, ou seja, apresenta potencial para se transformar numa canção muito popular. Coisa de quem entende do assunto, mas, ainda assim, sabe das dificuldades do mercado fonográfico. “É interessante, mas eu não queria que o meu filho entrasse na música: o meu sonho era que ele se formasse em direito, e Deus me deu essa felicidade”, informa o compositor. E como o assunto é sonho, será que ele ainda tem algum a realizar? “Antes de Deus me escalar para o terceiro andar, eu queria regravar com um amigo meu, Julio Iglesias, a música ‘Tudo que sonhei’, que eu fiz para a minha senhora, já falecida”. Uma atitude honrada, “Pila”. Digna de um Rei.
Por Hugo Oliveira
Ótimos textos, Hugo Oliveira. Adoro o tom despojado deles.
ResponderExcluirE essa entrevista com o Pilombeta é uma preciosidade.
Muito obrigado, Amanda Hadama. Ah, sim: o tom despojado vem da mistura do new journalism com o jornalismo "gonzo"... E um pouquinho da minha criatividade. Beijos!
ResponderExcluirÓ o Pilomba aí! Boa descoberta, Huguenote. Parabéns.
ResponderExcluirCara, esse é um dos textos seus que mais gosto!
ResponderExcluirHugo, você conseguiu descrever com alma e coração este encontro fantástico. News em breve o Lançamento do Livro: PILOMBETA "O Marinheiro Compositor".
ResponderExcluirUm forte abraço.
misael pilombeta