Sentimental eu fico quando vão chegando os últimos dias do ano. Sou bastante nostálgico e todo ano acabo fazendo aquele balanço do ano, os momentos marcantes, fatos importantes... Invariavelmente acabo numa melancolia terrível, pois apesar de passar muito rápido, acontece tanta coisa no espaço de um ano que essa rememoração beira à vertigem. Para tentar evitar este sentimento, despejo aqui minha retrospectiva pessoal 2010. E já vou avisando... Um texto longo, repetitivo, sentimental, que talvez só guarde algum interesse mesmo para mim e minha autoanálise anual...
“Tua estrela solitária me conduz!”
Costumo, no auge da minha arrogância, irrealidade e presunção, afirmar que sou o Botafogo. Este ano, nossos caminhos possuem algumas semelhanças. Final de Janeiro, uma derrota inesperada 0x6 em um clássico, fiquei completamente desnorteado, arrebentado, uma semana sem conseguir sair de casa. Noite em claro esperando a chegada do novo técnico, veio o Joel e quem diria que depois da humilhação, viria a redenção. Campeão Carioca sem precisar de final, vencendo os três maiores adversários e, na final, o algoz dos últimos três anos, em um jogo inesquecível, com golaço de pênalti (só no Botafogo mesmo...) do Loco Abreu. Este, a grande figura do time, finalmente um ídolo depois do Túlio. Um jogador que me fez, na Copa do Mundo, torcer mais para o Uruguai do que para a nossa seleção.
Após a humilhação e a redenção, um campeonato brasileiro digno, prejudicado por desfalques importantes e por vacilos inacreditáveis em casa. Não fosse isso e poderíamos ter voado mais alto, e não estou falando só do Botafogo, mas aí já outra história...
“Num dia assim calado você me mostrou a vida, e agora vem dizer pra mim que é despedida.”
2010 foi um ano marcado por despedidas. Doloridas, marcantes, importantes... A começar por Lost. A última temporada foi acompanhada como contagem regressiva, “agora faltam apenas x episódios inéditos...”. Eu achava que nada na televisão poderia me emocionar tanto como ‘Anos Incríveis’, mas Lost me provou o contrário. Nos seis anos em que acompanhei a série, foram tantas reviravoltas, discussões acaloradas, teorias as mais loucas imagináveis e apego aos personagens que foi estranho ter que me despedir da série. Inevitável pensar no quanto vivi enquanto acompanhava aqueles personagens tão perdidos quanto eu. E fica a certeza que vai ser difícil alguma série conseguir o que eles conseguiram no final da terceira temporada, junto com ‘The constant’, dois episódios perfeitos!
Outra despedida marcante foi a de José Saramago. Não imaginava que fosse sentir tanto, mas, ao saber que não estava mais entre nós, senti um vazio no mundo. Aquele homem e sua obra mudaram minha vida, ampliaram minha visão de mundo, trouxeram novas perspectivas literárias, me aproximaram de Portugal, sedimentaram meu caráter, de certa forma. A obra permanece, e certamente voltarei a ela algumas vezes antes do fim.
Este ano foi marcado também por mais um final de relacionamento, um amor que devia/poderia ter durado anos. Hoje é mais fácil analisar as coisas e perceber que não poderia mesmo ser diferente naquele momento, mas não foi fácil lidar com o modo como algumas coisas se desenvolveram. Logo após o término, vivi ‘Nervos de aço’, em um dia de jogo do Brasil na Copa. Ainda bem que estava torcendo para o Uruguai... Arrebentou minha autoestima, confiança e alimentou paranoias de vários tipos. Mas com o tempo e uma ‘pequena’ ajuda de meus amigos, consegui não só superar, mas enxergar as coisas como realmente foram!
E por fim a despedida de um emprego muito importante para mim e que eu tinha a consciência de estar fazendo um grande trabalho. Não vou entrar no mérito das causas e consequências. Quero apenas agradecer a todo o apoio que recebi, dos alunos, outros professores, amigos, familiares, pais de alunos... Foi muito importante para mim, nunca vou esquecer, podem ter certeza disso.
É meio ridículo falar isso na minha idade. Mas foi um ano também de perda da inocência, muito em decorrência de algumas destas despedidas. Houve também algumas decepções consideráveis que contribuíram para tudo isso que levaram a entrada real na vida adulta, primeiras crises ‘de verdade’. Mas tô aí, posso não ser sempre feliz, mas não sou mudo, hoje eu canto muito mais...
“Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal.”
Mais um ano vivido “entre o sonho e o som”. Das muitas leituras, posso destacar O Passado, do escritor argentino Alan Pauls, que li em janeiro e me deixou forte impressão. Achei foda a biografia do Bill Graham, orgulho danado quando li a do Heleno de Freitas, tive uma leitura intensíssima de O Velho e o Mar e releituras ainda mais proveitosas de Corpo de Baile, de Guimarães Rosa e de Dom Casmurro.
De músicas, além das que coloquei nas listas, um disco importante foi o Changing Horses, do Ben Kweller, que comprei em janeiro e que meio que antecipou uma das paixões do ano, o country-rock. Lendo um livro sobe os Stones, me interessei por um cara chamado Gram Parsons e fui atrás da discografia dele, começando pelo Flying Burrito Brothers - paixão à primeira audição - depois para seus discos solo. Renato Teixeira foi outra grande descoberta, não paro de ouvir!
Viúvo de Lost, tentei outras séries. House está sempre presente por aqui, servindo de metáfora e, às vezes de forma assustadora, de modelo de comportamento também. Gostei bastante de Dexter, vi a primeira temporada no meio do ano e estou iniciando a segunda. Uma série marcante foi Men of a Certain Age, três amigos (o conselho?) tendo que lidar com os problemas e alegrias da vida e da passagem do tempo. Consegui me divertir, me emocionar e, o mais importante, mesmo não tendo ainda a mesma certa idade, me identificar com os personagens e situações. E tive o meu momento Twin Peaks. Em duas semanas assisti a série inteira, vivi na cidade e fiquei maluco, encantado com o mundo criado por pelo não menos maluco Lynch. Até a contestada segunda temporada fez minha cabeça, até hoje sinto falta dos personagens e do clima de Twin Peaks...
E 2010 vai ser para sempre o ano que vi Paul McCartney. Faltam adjetivos, vamos então ao clichê: um momento mágico. Ver um Beatle, como explicar? E o dia foi fantástico, com amigos, nos divertindo e vivendo a expectativa do que viria a seguir.
"Não preciso de modelos, não preciso de heróis. Eu tenho meus amigos e, quando a vida dói, eu tento me concentrar num caminho fácil"
Os amigos, sempre tão importantes. E fundamentais em muitos momentos deste ano. Desde a proximidade com Loo e Cecel, que se estreitou ainda mais pelo fato de sermos vizinhos, até a aproximação com meus pais, que aumentou depois que saí de casa, é grande a importância das pessoas queridas em minha retomada de foco nos momentos difíceis e no fato de eu chegar equilibrado neste final de ano.
Há o José Miguel, que me aproximou ainda mais do Matheus e Carol. Momentos importantes de celebração da amizade, como a reuniãozinha despretensiosa e muito divertida no meu aniversário e, principalmente, o casamento do Cadu, em que os amigos reunidos estavam todos num clima extremamente positivo.
Os que, mesmo à distância, fazem-se perto. Henrique, Pedro, Fábio, sempre presentes, cada vez mais importantes. Ingrid e Marcella, grandes amigas que não encontrei este ano, mas que ainda assim estavam comigo, em telefonemas, e-mails, pensamentos, citações e afeto.
Tenho que agradecer a todos, mas quero fazer um agradecimento especial a um cara. Hugo esteve comigo nos momentos em que tudo parecia perdido, eu parecia aniquilado e conseguiu me salvar do afogamento em várias dessas situações, quando terminávamos as conversas mais difíceis conseguindo até rir de nós mesmos. Somos muito parecidos em vários aspectos e a vida ainda constantemente parece nos colocar em situações similares na mesma época, isso desde que nos conhecemos. E em um ano, principalmente segundo semestre, com algumas complicações, esteve sempre por aqui. Quantas conversas na Casa da Picanha ou no meu apartamento, em que desabafamos sobre trabalhos, frustrações, discos, livros, filmes, pequenos prazeres, grandes decepções. Não sei como seria estar de volta a Angra sem meu amigo Hugo por perto.
"E ver o mar às vezes bem que é preciso pra ter certeza de ainda estar-se vivo, mesmo que o casco esteja velho e corroído."
Estou pronto para o próximo ano, mesmo sem saber muito como será. Mais uma vez, assim como o Botafogo, um ano de incertezas. Mas já foi pior, há um mês estava mal comigo mesmo, tão perdido e sem iniciativa, abalado com a perda de um dos trabalhos, remoendo possíveis erros e a maldade de algumas pessoas. Mas veio a força, novas perspectivas, pequenas brechas de esperança e de beleza. Posso sentir o vento no meu rosto e a expectativa de um ano melhor para mim e para os meus. Já tenho alguns planos, filmes a assistir, livros para ler. Enfim, mais um momento de transição. Que Deus - e meus amigos - estejam comigo no ano que está chegando.
Feliz ano novo para todos nós.
Por Ricardo Pereira