Cada vez mais, precisamos dar conta, além das responsabilidades
profissionais e das satisfações de nossas necessidades afetivas, de acompanhar
semanalmente novos episódios de séries vendidas como fantásticas, assistir aos
filmes concorrentes ao Oscar, ler os livros novos (e antigos) acumulando na
estante e ouvir os novos lançamentos de álbuns nacionais e estrangeiros que
parecem mais promissores ou relevantes.
Acabamos, com tantas opções, deixando passar muita coisa boa,
perdendo tempo com obras menores ou não conseguindo a imersão que o trabalho
exige. Foi justamente o que aconteceu na minha primeira audição de Life Will See You Now, novo disco do
excelente Jens Lekman. Ouvi preparando aulas, com a cabeça longe e o que ficou
foi certo incômodo com a sonoridade eletrônica, que a princípio me pareceu
frouxa, ao contrário, por exemplo, dos excelentes resultados obtidos por
grandes compositores pop como John Grant ou Sufjan Stevens ao utilizar
artifício semelhante em álbuns recentes.
Não fosse por uma mensagem recebida pelo meu amigo Hugo
Oliveira, provavelmente não voltaria tão cedo ao álbum de Lekman. De forma
simples, como convém às mensagens eletrônicas trocadas em intervalos de
trabalho, Hugo mostrava-se encantado com a qualidade das letras, “beirando o
genial”, escritas por Jens em seu mais recente trabalho.
Atentei para o fato de que o ritmo acelerado imposto pela
contemporaneidade – correria inclusive
responsável por ter transformado esse blog em um deserto nos últimos tempos –
fez com que eu não tivesse ouvido de verdade o disco, deixando de lado
provavelmente a faceta mais interessante do autor do trabalho, seu talento como
letrista.
Logo eu, que passei grande parte da vida a exaltar a
importância da paciência e das segundas (e terceiras e quantas mais precisar)
chances a obras que pudessem valer a pena; que sempre dei importância (muitas
vezes até mesmo exagerada) a letras de canções e seus criadores; que considero
Bob Dylan o sujeito mais relevante e talentoso a ter pisado nesse planeta; logo
eu, aparentemente, estava me transformando no ouvinte vazio e distraído que
sempre critiquei.
Serviu, no entanto, como aviso. Voltei ao disco, sem nada a
dividir minha atenção, com as letras em mãos e só posso concordar com a
exultante recomendação recebida. Musicalmente o álbum ainda me incomoda em
alguns momentos – ainda que bem menos do que na desatenta primeira audição, mas
liricamente é quase irrepreensível. Lekman canta o amor, medos, saudades,
amizades, sentimentos. Retrata a vida, enfim, de forma ao mesmo tempo simples e
sofisticada, emocionante na medida certa a ponto de gerar identificação
imediata no ouvinte.
Faça um favor a si mesmo. Tire quarenta minutos de seu dia,
desligue o telefone, resista à tentação das abas abertas em sites de notícias
ou de conferir às novas polêmicas estéreis e o exibicionismo fruto da carência
de seus “amigos” das redes sociais e, acompanhado das letras das canções,
escute o que Jens Lekman tem a dizer em Life
Will See You Now. Relembre o quanto “apenas um cantor” pode ainda emocionar
e gerar empatia com suas palavras, “enquanto o caos segue em frente / com toda
a calma (?) do mundo”.
Por Ricardo Pereira