"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

(Sua) vida segundo Jens Lekman

Cada vez mais, precisamos dar conta, além das responsabilidades profissionais e das satisfações de nossas necessidades afetivas, de acompanhar semanalmente novos episódios de séries vendidas como fantásticas, assistir aos filmes concorrentes ao Oscar, ler os livros novos (e antigos) acumulando na estante e ouvir os novos lançamentos de álbuns nacionais e estrangeiros que parecem mais promissores ou relevantes.

Acabamos, com tantas opções, deixando passar muita coisa boa, perdendo tempo com obras menores ou não conseguindo a imersão que o trabalho exige. Foi justamente o que aconteceu na minha primeira audição de Life Will See You Now, novo disco do excelente Jens Lekman. Ouvi preparando aulas, com a cabeça longe e o que ficou foi certo incômodo com a sonoridade eletrônica, que a princípio me pareceu frouxa, ao contrário, por exemplo, dos excelentes resultados obtidos por grandes compositores pop como John Grant ou Sufjan Stevens ao utilizar artifício semelhante em álbuns recentes.

Não fosse por uma mensagem recebida pelo meu amigo Hugo Oliveira, provavelmente não voltaria tão cedo ao álbum de Lekman. De forma simples, como convém às mensagens eletrônicas trocadas em intervalos de trabalho, Hugo mostrava-se encantado com a qualidade das letras, “beirando o genial”, escritas por Jens em seu mais recente trabalho.

Atentei para o fato de que o ritmo acelerado imposto pela contemporaneidade –  correria inclusive responsável por ter transformado esse blog em um deserto nos últimos tempos – fez com que eu não tivesse ouvido de verdade o disco, deixando de lado provavelmente a faceta mais interessante do autor do trabalho, seu talento como letrista.

Logo eu, que passei grande parte da vida a exaltar a importância da paciência e das segundas (e terceiras e quantas mais precisar) chances a obras que pudessem valer a pena; que sempre dei importância (muitas vezes até mesmo exagerada) a letras de canções e seus criadores; que considero Bob Dylan o sujeito mais relevante e talentoso a ter pisado nesse planeta; logo eu, aparentemente, estava me transformando no ouvinte vazio e distraído que sempre critiquei.

Serviu, no entanto, como aviso. Voltei ao disco, sem nada a dividir minha atenção, com as letras em mãos e só posso concordar com a exultante recomendação recebida. Musicalmente o álbum ainda me incomoda em alguns momentos – ainda que bem menos do que na desatenta primeira audição, mas liricamente é quase irrepreensível. Lekman canta o amor, medos, saudades, amizades, sentimentos. Retrata a vida, enfim, de forma ao mesmo tempo simples e sofisticada, emocionante na medida certa a ponto de gerar identificação imediata no ouvinte.

Faça um favor a si mesmo. Tire quarenta minutos de seu dia, desligue o telefone, resista à tentação das abas abertas em sites de notícias ou de conferir às novas polêmicas estéreis e o exibicionismo fruto da carência de seus “amigos” das redes sociais e, acompanhado das letras das canções, escute o que Jens Lekman tem a dizer em Life Will See You Now. Relembre o quanto “apenas um cantor” pode ainda emocionar e gerar empatia com suas palavras, “enquanto o caos segue em frente / com toda a calma (?) do mundo”.


Por Ricardo Pereira