"There's a fear I keep so deep / Knew it name since before I could speak (...) If some night I don't come home / Please don't think I've left you alone"- Keep The Car Running, Arcade Fire

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Mundo Bita e o clube das adoráveis canções

Algo que vez ou outra me incomoda é a qualidade da música feita para crianças disponível hoje em dia. Olhando para as cantigas de roda adaptadas em desenhos faiscantes e com cores berrantes para hipnotizar os pequenos, o que podemos encontrar, por exemplo, na Galinha Pintadinha (e em diversos outros “filhotes” da galinácea), comecei a achar um luxo ter passado minha primeira idade ouvindo canções da autoria de Sullivan e Massadas, pra não falar no sensacional “A Arca de Noé”, de Vinicius e Toquinho e participação de grandes nomes da música brasileira.

No entanto, recentemente, encontrei algo atual que se destaca nesta seara. Passando uns dias com um grande amigo e sua filha de dois anos e meio, percebi o encantamento dela pelas canções da série Mundo Bita. Feito com uma simplicidade encantadora (e sem precisar tratar a criança como um pequeno imbecil), Bita é um sujeito gordinho, com sorriso simpático, que usa cartola, topete e um bigode de respeito. Acompanhado de seus amigos animais, conta o dia a dia e estimula a imaginação das crianças sem precisar recorrer ao cancioneiro infantil da época “do seu tatataravô”.


E são precisamente as canções que primeiro me fisgaram no universo Bita. Não apenas por serem atuais, claro, mas por possuírem melodias cativantes e bem construídas. Algumas irresistíveis, como essa “Fazendinha” com levada country, que após duas audições não sai da minha cabeça e me faz cantarolar sem perceber: “lá na fazendinha é manhã...”.


Pense em alguma canção do rock brasileiro mainstream dos últimos dez anos com essa qualidade. Bem, melhor seguirmos com o texto...

O Mundo Bita é criação de Chaps Melo, da empresa Mr Plot, responsável pelo desenvolvimento do projeto. Além do country da fazenda, Bita transita por vários estilos musicais, normalmente com acerto, como o rockabilly “Dinossauros” (em que a voz lembra algo entre Gabriel do Autoramas ou o Nervoso, dos Calmantes); a valsinha “Fundo do Mar”, que me lembra as fases aquáticas dos Mario Bros e o reggae “Viajar pelo Safari”, que, como vocês podem conferir, é melhor do que qualquer projeto de hit das anêmicas bandas brasileiras do estilo:


Todas as citadas são do único projeto que ouvi, o inaugural “Bita e os animais”. Depois dele ainda vieram “Bita e o nosso dia” e “Bita e as brincadeiras”, que já me foi muito bem recomendado por minha prima Luisa, com aprovação de seus dois pequenos, Joaquim e Antonia.

Ainda não tenho filhos, mas se os tivesse, antes que chegassem aos Beatles, passariam obrigatoriamente pelo Bita.

Por Ricardo Pereira

Sessões Talk About The Passion apresenta "Raul: o Início, o Fim e o Meio"

Para os leitores do blog que moram em Angra dos Reis uma boa notícia. No dia 27 de fevereiro, sábado, às 18h, será exibido na sala de vídeo do CCTM, no Teatro Municipal de Angra dos Reis, o documentário Raul: o Início, o Fim e o Meio (2012), do diretor Walter Carvalho.

A exibição é parte integrante do evento Sessões Talk About The Passion, criado pelos responsáveis pelo blog Talk About The Passion - o jornalista Hugo Oliveira e o professor Ricardo Pereira.

A ideia do evento é exibir gratuitamente documentários e filmes ligados à cultura pop, organizando um bate-papo entre o público e os responsáveis pelo Sessões Talk About The Passion após a exibição, na intenção de debater a obra apresentada.

Raul: o Início, o Fim e o Meio desvenda através de imagens raras de arquivo, encontro com familiares, conversas com artistas, produtores e amigos, a trajetória da lenda do rock brasileiro. Raul Seixas morreu jovem porque viveu intensamente. Rock n' Roll, amor livre, Sociedade Alternativa, drogas, magia negra, ditadura militar, mulheres e filhas. Um homem que queria viver da sua obra e morreu por ela. O início, o fim e o meio se confundem, porque a história não acabou.

A entrada é gratuita, com os ingressos para o documentário sendo distribuídos a partir das 16h - classificação etária: 12 anos. A capacidade da sala de vídeo do CCTM é de 50 pessoas.




Por Hugo Oliveira

sábado, 23 de janeiro de 2016

Felicidade, engajamento e punk rock

Rendi-me ao Netflix no começo deste ano. Vários amigos já haviam dado a dica, mas a ausência de uma internet minimamente potente inviabilizava a assinatura. Resolvido o problema, hora de mergulhar no catálogo de filmes, séries e documentários que o serviço disponibiliza a seus associados.

Uma das primeiras escolhas foi o Joe Strummer: The Future is Unwritten, documentário de 2007 dirigido por Julian Temple. Strummer, vocalista, guitarrista e líder do grupo punk inglês The Clash, é o foco do filme, que oferece em pouco mais de duas horas um resumo da trajetória de um dos músicos de rock mais importantes de todos os tempos.

A forma de apresentação do documentário é simples, porém criativa. Vários amigos e personalidades influenciadas pelo músico, reunidos em volta de uma fogueira, presenteiam-nos com elogios, críticas e lembranças a respeito de Strummer, enquanto a voz do próprio oferece uma narração no estilo de um programa de rádio. Imagens e vídeos do cantor em todas as fases de sua vida são disponibilizados, enriquecendo ainda mais o filme.

A relação complicada com o pai, a adolescência quase hippie, as primeiras aventuras musicais, a ascensão e a queda do The Clash e anos posteriores à saída do conjunto são retratados com destaque ao longo do documentário. Mais do que uma obra sobre o músico, a película retrata igualmente o homem por trás do ídolo. Assim como qualquer ser humano, Strummer acerta e erra ao longo de sua caminhada, demonstrando que a jornada é imprevisível. E não está escrita.

Strummer levou a utopia de mudar o mundo com a música às últimas consequências. Enquanto seus pares estavam mais interessados em chocar através de jogadas de marketing geniais – Sex Pistols – ou de uma inaptidão musical e de um revisionismo travestidos de qualidades – Ramones –, à frente do Clash ele era político até não poder mais, urgente, perigoso. Os shows ao vivo do conjunto eram famosos pela entrega de seus integrantes. A banda era uma verdadeira gangue no palco, preparada para lutar. Um round e pronto: o público era nocauteado positivamente.

Ainda assim, não existe lutador invencível. A fama, o uso de drogas e as diferenças musicais e pessoais entre os membros do quarteto foram minando a união do grupo, que jogou a toalha já sem a formação original, durante a turnê que divulgava o fraco Cut The Crap (1985). Por um tempo, Strummer viveu fora da cena musical. O retorno se deu aos poucos, e o processo não foi fácil. Primeiro, gravou um álbum solo que foi mal recebido pela crítica e pelo público; depois, fundou um projeto intitulado Joe Strummer & The Mescaleros, que lançou bons discos, mesmo não alcançando a glória de suas antigas obras. A movimentação o deixou mais feliz, colocando-o de volta ao ringue. O guerreiro, pouco a pouco, voltou à forma.

Morte ou glória. Este era o título de uma de suas mais antológicas canções, oriunda de um disco que figura em qualquer lista séria de melhores de todos os tempos, London Calling (1979). Joe Strummer não estava brincando quando escreveu a música, mas ao final da vida, remodelou a letra dela através de sua própria experiência. Em 2002, o músico sofreu um ataque do coração por conta de um problema congênito – e desconhecido por ele. Tinha apenas 50 anos. Uma grande perda para familiares, amigos e fãs.

Joe morreu, mas a glória de se manter fiel às convicções e às paixões seguiu com ele até o final da vida. As últimas imagens do músico mostram não um jovem senhor, mas um menino, feliz em poder fazer aquilo que mais gostava.
Vai ver que o punk rock era sobre isso: felicidade e engajamento.






Por Hugo Oliveira 





quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Joões de Deus

João abriu o zíper da mochila e colocou a mão dentro do compartimento. Vasculhou um pouco e, rapidamente, encontrou o que queria: o revólver.

Calibre 38, o famoso “três-oitão”. Colocou o dedo no gatilho, sentindo a temperatura da peça.

O frio do ferro misturou-se ao calor da pele. Estava nervoso.

De repente, como se tivesse tomado uma descarga elétrica, retirou a mão da bolsa e, levantando-se do assento do ônibus de forma desajeitada, deu o sinal.

Puxou a cordinha do coletivo durante uma curva. Um pouco desequilibrado, bateu com o ombro direito na janela. Não foi um choque forte, mas toda a situação o deixou possesso.

- Tá querendo matar a gente, “motô”? Tem criança no buzão, caralho!

Outros passageiros também reclamaram da velocidade do veículo durante a curva sinuosa. Alguns protestaram de forma educada, alegando que o condutor deveria ser mais prudente; outros xingaram o homem de “barbeiro”, “filho da puta” e “cuzão”.

O motorista não revidou. Talvez, por saber que havia cometido um erro — ou envergonhado por ser repreendido de forma tão dura –, preferiu o silêncio. Parou no ponto, abriu a porta traseira e apenas uma pessoa estava descendo. Era João.

Pelo espelho interno do ônibus vislumbrou o passageiro. Um homem jovem que segurava uma mochila embaixo do braço direito e, com a mão esquerda livre, apontava o dedo do meio a ele. Não conseguiu conter a raiva.

- Arrombado!, gritou o motorista.

João escutou a ofensa, mas resolveu deixar pra lá. Estava a poucos metros do local. Aquilo ia mudar sua vida. Para sempre.

Vislumbrou a fachada do prédio e entrou. Sabia o que fazer e como deveria agir. Estudou o ambiente e as poucas pessoas presentes com uma rapidez impressionante. Avistou seu alvo e, dirigindo-se a ele, procurou o zíper da mochila, para finalizar o que havia ensaiado durante todo o final de semana.

Nem precisou sentar. Fez o que tinha que fazer em pé, de frente para o guichê, enquanto a mão vasculhava o interior da bolsa.

- Ô gente boa, diz aí: é aqui que funciona o…

Parou de repente. Sentiu-se tonto, enjoado. De súbito, foi tomado pelo pavor.

O homem, que digitava de forma barulhenta num teclado, desligou-se do monitor e voltou sua atenção à pessoa que havia começado a fazer uma pergunta.

- Pois não, senhor?

- Não, é que… Porra… Só um instante!

O atendente nada compreendeu ao ver o rapaz correndo em direção à porta. Assim que saiu do edifício, João ficou na ponta dos pés, mirando todas as direções possíveis.

Teve um estalo. O desespero transformou-se em estado de graça. Suor e lágrimas molhavam seu rosto. Suor, lágrimas e chuva, já que fortes pingos começaram a cair do céu.

João não parecia se importar com o temporal que se aproximava. Mesmo desnorteado, conseguiu direcionar seus passos ao caminho de casa. Assim que deu início ao retorno, uma tempestade tropical desabou, mas ele não procurou abrigo nas marquises.

Seguiu quase pelo meio da rua. Um pouco à frente, parou numa faixa de pedestres. Levantou a cabeça e, com os olhos fechados por causa das grandes gotas que atrapalhavam a visão, abriu os braços no meio das pessoas que atravessavam para ambos os lados.

O sinal estava verde; a camisa branca de João, encharcada. Queria gritar, mas só conseguiu emitir um fiapo de voz.

- Deus…

                                                                             ***


Apesar de exausto por conta da longa caminhada que fez, não passava pela cabeça de João deixar de ir ao culto daquela noite. Ele tinha um motivo especial para comparecer ao encontro: um testemunho genuíno da ação de Deus em sua vida.

Assim, não foi com desânimo que recebeu a notícia. Por conta das chuvas torrenciais que assolaram a cidade, a igreja da comunidade onde vivia foi inundada. O ato religioso seria realizado em outro bairro, um pouco mais distante. Mas nada iria impedi-lo. Já era um novo homem, e precisava oficializar sua condição.

Chegou ao local do culto um pouco antes do início. A bainha da calça social azul marinho ficou manchada de barro; o par de sapatos preto que havia conseguido com um primo parecia tingido de marrom por causa das ruas cheias de lama que precisou atravessar. Ainda assim, sua nova fé mantinha-se inabalável.

Como estava fora da igreja, procurou algum mercado que estivesse aberto naquele horário. No final da rua, avistou algo parecido com um boteco. Atravessou para o outro lado tomando cuidado para não sujar sua roupa ainda mais. Meteu a mão no bolso direito e puxou as moedas que tinha, contando-as sem deixar de caminhar rumo ao barzinho. Não teve tempo de desviar da pessoa que vinha em sua direção, saindo do estabelecimento. Chocaram-se.

Setenta centavos caíram no chão. Sem pensar, João abaixou para pegar as moedinhas que ia usar na compra de uma garrafa d’água, com medo que elas rolassem para o valão ao lado. O homem também teve a mesma reação.

Abaixados, fitaram-se. João e o motorista do ônibus que havia pegado naquela manhã.

Levantaram-se no mesmo momento. Sentiram coisas diferentes naquela fração de segundo. João percebeu que o hálito do motorista fedia a cachaça. Ia tentar pronunciar alguma coisa, mas foi impedido. Seu olfato ainda continuou trabalhando, passando do cheiro de pinga para outro odor que conhecia bem, o de pólvora. Depois, tudo escureceu.

O motorista, por sua vez, reparou nas roupas de João. Ele parecia outra pessoa com aquele traje social. Pensou em deixar pra lá, mas o ódio refrescou sua memória já molhada pelo álcool. Estava bêbado, mas ainda tinha agilidade. O corpo, que estava abaixado, procurando as moedas da pessoa com quem havia trombado, levantou-se numa velocidade espantosa. Colocou a mão direita no bolso. Puxou o revólver já com o dedo no gatilho. Tudo escureceu depois.
                                                                 
        
                                                                       ***

Embora estivesse tão machucado quanto assustado, ele não podia dar-se o luxo de faltar ao trabalho. Na tarde anterior, alguns passageiros ligaram para a empresa de ônibus onde ele trabalhava para denunciar o “motorista doidão que fazia curvas em alta velocidade”. Tentou argumentar com o chefe que foi a única vez que isso aconteceu, mas não teve sucesso. Ganhou um esporro monumental e ainda recebeu uma advertência, perdendo o bônus em dinheiro que ganharia caso nada de errado ocorresse naquele mês de trabalho.

Entrou no ônibus com o peso do mundo nas costas. Suas mãos tremiam ao volante. Faria a mesma rota que havia feito no fatídico dia. Lembrava-se de quase tudo: deu de cara com o filho da puta que fez com que ele fosse penalizado no trabalho… Justamente depois que ele entornou todas numa birosca perto da gerência da Viação Destino; como estava com uma arma que havia achado dentro do coletivo, naquele mesmo dia, teve o impulso de mandar chumbo pra dentro do merdinha. Apertou o gatilho só uma vez. Achou ter sido o suficiente.

Depois disso, tudo foi muito rápido. Pulou o muro de um barraco e, em seguida, invadiu outro quintal. Seguiu para a área dos fundos, que dava para um matagal sem tamanho. Correu o quanto pode e desmaiou de cansaço. Acordou assustado, com a cabeça explodindo e o dia raiando. Em poucos minutos conseguiu descobrir onde estava. Caminhou até a rua principal, pegou carona com um motorista conhecido e seguiu para o trabalho. Ao chegar, pediu um uniforme novo, dando a desculpa de que havia tomado um tombo no trajeto para o serviço. Por sorte conseguiu.

Prestes a dar partida, viu que dois colegas corriam na direção do ônibus, pedindo para que ele esperasse. Abriu a porta da frente sem desligar o veículo, já temendo o pior.

- Você tá bem, cara?

- Sim, sim. Estou bem…

- Ficamos preocupados, cabra. Mataram um vagabundo perto da gerência. O nome do cara também era João, e ele usava uma roupa parecida com o nosso uniforme de trabalho. Mas você tá bem, porra. Vai trabalhar, cornão!

Os companheiros de trabalho saíram rindo, empurrando um ao outro. João pisou no acelerador e deu início a mais um dia de luta.

Com meia hora rodando pela cidade, chegou ao ponto onde o rapaz “metido a macho” pediu para parar, no dia anterior. Lembrou que só havia acelerado porque ninguém tinha feito qualquer menção de ficar naquele local.

- Aí, o desgraçado que devia estar dormindo acorda, puxa a cordinha no susto e ainda reclama de velocidade. Tinha mais é que se foder mesmo!, pensa alto João, o motorista, sobre João, o passageiro.

Ninguém demonstra interesse em descer no ponto. João relaxa, mas num piscar de olhos, como se recordasse de algo muito importante, dá uma freada brusca. Os passageiros reclamam.

- Porra, motorista! Tá cheirado, caralho?

Ele não responde. Abre a porta da frente, cochicha algumas palavras com o cobrador e segue para um prédio próximo. O “ferro” está no bolso esquerdo da calça.

Lá dentro, segue para o primeiro atendente que parece disponível. Não poderia ter sido mais certeiro: uma plaquinha com os escritos “Campanha Nacional do Desarmamento” repousa na mesa do homem.

- Pois não, senhor?

- Rapaz, eu queria saber como funciona essa…

A pergunta de João é interrompida por outro atendente, que chega à mesa num estado de euforia.

- Eu sabia, porra!

- Sabia o que, bonitão?

-Mataram um cara ontem à noite, perto de um boteco da Favela dos Coitados. Eu vi essa notícia naquele jornal da madrugada.

- E daí?

- E daí que, depois daquele aguaceiro do caralho que caiu ontem, vários equipamentos entraram em curto-circuito nesta porra de delegacia. As câmeras foram as primeiras a bichar. O técnico está até agora mexendo nelas. A única coisa que ele conseguiu recuperar, por enquanto, foram imagens gravadas um pouco antes do temporal. Fui olhar as filmagens e vi um cara entrando aqui. Fiquei com o rosto dele na cabeça, mesmo sem saber o motivo. Aí, acabei me lembrando do telejornal e comparei as imagens mentalmente. Era o cara… E ele estava justamente na sua mesa!

- Tá de sacanagem?

- Claro que não! Quer ver? Pede licença pro amigo aí e vamos até a sala do vídeo.

- Só se for agora!… Só um instantinho, senhor… É um assunto urgente.

Os dois homens saem. João está na mesa. Ele pensa no que os atendentes conversaram e tem uma ideia. De onde está, consegue vê-los entrando numa outra sala. Ele espera alguns segundos, olha para os lados e, num gesto rápido, coloca o revólver embaixo de uma pilha de papéis.

Sai de lá como se nada tivesse acontecido.

João caminha em direção ao ônibus. O sol brilha. Olhando para dentro do coletivo, consegue identificar expressões de revolta nos rostos dos passageiros. Não ouve suas vozes, mas tem certeza de que estão fazendo xingamentos.

O motorista parece estar em transe. Levanta a cabeça em direção ao céu e, fechando os olhos por conta da claridade, abre os braços.

De sua boca, uma única palavra:

- Deus…



Por Hugo Oliveira



terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Outros tesouros


A notícia relacionada ao fechamento de vários sebos e livrarias no Rio de Janeiro coloca em alerta máximo gente como eu, que não abre mão de uma bela sessão de “garimpo” em qualquer estabelecimento do tipo.  Só de pensar que gerações futuras poderão perder a chance de percorrer esses verdadeiros labirintos, muitas vezes empoeirados, de palavras e ideias, substituindo-os pela fria e impessoal compra pela internet, já bate um medo danado.

Não que adquirir volumes pelo comércio digital seja ruim. A grande disponibilidade de títulos, as promoções imperdíveis, a facilidade referente ao processo, enxergo tudo de uma forma muito positiva. Mesmo assim, não existe nada mais prazeroso do que vasculhar estantes recheadas de volumes ao vivo. Encontrar aquele verdadeiro tesouro que, em muitas ocasiões, ainda pode vir recheado com outros tesouros.

No começo de janeiro deste ano visitei uma feira de livros na cidade onde moro, Angra dos Reis. Umas sete barracas lotadas de obras para todos os gostos. Gastei R$ 20,00 e levei seis volumes. Três adquiridos por R$ 5,00 cada, dois por R$ 2,00 cada e um Júlio Cortázar por R$ 1,00. Felicidade total!
Ao voltar para casa, resolvo folhear melhor os livros, examinar as lombadas, enfim, sentir o clima de cada um. Em dois deles, encontro marcas das pessoas que, ao menos por algum tempo, estiveram diretamente ligadas aos volumes.

No livro “Criaturas Flamejantes”, de Nick Tosches, quarto volume da Coleção Iê Iê Iê – Editora Conrad –, existe uma dedicatória escrita logo na primeira página, assinada por “Dani”, no dia 15 de maio de 2014 – foto abaixo. Arrisco-me a dizer que a pessoa responsável pelas palavras já havia lido a obra e, encontrando algo muito importante nela, resolveu presentar alguém ou até mesmo um possível pretendente. Torço para que tudo tenha dado certo.

                                              


Em outro livro, “Música para Camaleões”, do jornalista e escritor Truman Capote – Editora Nova Fronteira –, o tesouro é ainda mais saudosista. E enigmático. Na página 59, acho uma foto de uma jovem com seus 16, 18 anos, em preto e branco – abaixo. Do lado de trás da fotografia, o dia e o ano em que o retrato foi tirado, 17 de agosto de 1977, e o local, algo como Mauá Foto Studio, na Rua Mariz e Barros, Tijuca, Rio de Janeiro.

                                               


Por que aquela foto estava ali? Estaria apenas marcando a página em que o leitor havia parado ou teria um significado maior? Pertenceria a algum rapaz apaixonado? Quem sabe teria sido colocada ali pela própria menina da fotografia? Muitas hipóteses e nada de concreto. Um mistério delicioso e, quem sabe, possível de resolver?

O livro custou R$ 5,00. Quer saber? Estou disposto a entrega-lo à garota da foto, mesmo que ela não tivesse sido a real dona dele. Abrir aquele volume e dar de cara com a fotografia em preto e branco foi ainda mais mágico do que encontrar a obra por uma quantia módica. Se o leitor quiser me ajudar nessa empreitada, é só compartilhar este texto. Quem sabe a menina não aparece?

Aparecendo ou não, os questionamentos oferecidos pela história já valeram. Não tem preço que pague essas marcas tão pessoais deixadas nos livros. Lembrei-me de uma história ainda mais incrível, vivida pelo companheiro de blog Ricardo Pereira. Vou tentar resumir: Ricardo e sua família viveram por muito tempo no bairro de Bangu, no Rio de Janeiro. Conheceram Angra dos Reis, se apaixonaram pela cidade e, no começo dos anos 90, vieram tentar a vida no município famoso pelas 365 ilhas.

Ricardo era um adolescente quando veio morar em Angra. Após terminar o segundo grau, voltou ao Rio, ao mesmo bairro em que vivia, para fazer um cursinho pré-vestibular. Instalado na casa de uma conhecida de sua família, resolveu passear pelas redondezas – arrisco dizer que para procurar CD’s e livros. Em pouco tempo ele descobre um sebo. Lá dentro, já no processo de garimpo, encontra o “Cem anos de solidão”, obra-prima do escritor Gabriel García Márquez. Abre o livro e, pasmem, acha a assinatura do próprio pai.

Daqueles momentos para nunca mais esquecer.


Por Hugo Oliveira


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Somos todos Balboa

Antes de qualquer coisa, duas pequenas histórias pessoais.

Quando entrei para a faculdade não sabia o que queria e, no decorrer do curso, criei a convicção de que não daria aula de maneira alguma. Terminei e fiquei um tempo como estagiário em uma biblioteca, ganhando o básico apenas para passar os dias. Quando surgiu uma oportunidade de lecionar, ganhando mais de quatro vezes do que recebia então. Comecei assim minha carreira de professor, sem convicção e extremamente despreparado. Fui inserido em uma realidade complicada, com alunos hostis e agressivos e a cada fim do dia pensava em desistir. Ouvi conselhos de professores mais experientes, procurei igreja, amigos e quem mais me ajudou foi Rocky Balboa. Assisti aos filmes em sequência em uma semana e fui ganhando forças e me tornando, na perseverança e determinação, um professor melhor.

Outra. Há uns dez anos, passando a virada de ano na casa de um casal de amigos que recebia uma série de pessoas. Devia ser dia 30 ou 31 de dezembro, as mulheres tentando arrumar a casa para a festa e os homens "tocando o terror", arrumando churrasco improvisado, trazendo caixas de cerveja, desorganizando tudo. Meu amigo Kito Vilela falou, "dou um jeito nisso". Colocou o DVD de um dos filmes do Rocky e, como mágica, todos os homens pararam o que estavam fazendo e se juntaram na sala para assistir, vibrando e se emocionando com o que assistíamos.

São passagens simples, mas que ilustram o poder e o carisma do personagem fascinante que é Rocky Balboa. E tal fascinação vem por um motivo antes de qualquer outro: humanidade. 

O primeiro filme, de 1976, é brilhante, um clássico. Rocky nos é apresentado como um sujeito comum, "preso à sua classe e a algumas roupas, indo de branco pela rua cinzenta". Melancolias... Sim, um dia a dia melancólico e cinzento de um cara ingênuo, ignorante, tentando sobreviver como consegue. Marginal entre marginais. E é esse típico "loser" o responsável por algumas das lições que provocam tamanho encantamento até hoje a tanta gente. O boxe é apenas metáfora para a vida. A importância do trabalho duro, da dor e da superação para se atingir os objetivos; o medo como combustível para seguir em frente; a confiança e a cumplicidade no amor; o reconhecimento de que nós somos nossos principais adversários e o fato de que a vitória pode, muitas vezes, não significar atingir o ponto mais alto do pódio são alguns dos eixos temáticos trabalhados nos Rockys.

Os volumes II e III também são ótimos filmes, continuam a desenvolver os temas acima citados e fazem crescer o encantamento com o personagem. As lutas são ainda mais bem filmadas, o esforço mais destacado e a trilha sonora é um caso a parte. "Gonna Fly Now" é um dos temas mais fortes, envolventes e reconhecíveis da história do cinema. Quando usadas no timing correto, emociona e com certeza fez muito moleque pular da cadeira do cinema de empolgação pelo mundo a fora.


"Pôr fogo em tudo, inclusive em mim".                                                                                                                            
Empolgado com o sucesso comercial, Stallone, com dois filmes pavorosos em sequência, quase consegue arruinar a grande figura construída nos três primeiro episódios. No quarto filme (sabe-se lá como, o de maior bilheteria entre os cinco primeiros), comete um terrível equívoco, transformar Rocky em super herói, tirando a vida e humanidade a que fiz referência anteriormente. Criou-se uma alegoria patética da Guerra Fria em formato de video clipe, sendo Rocky o representante norte-americano contra um quase-robô insensível russo. O discurso do protagonista no final do filme é de sentir vergonha assistindo. E o quinto volume, pior de toda a série, só apresenta um bom momento, a lembrança que Balboa tem de Mickey, seu antigo treinador, no abandonado ginásio em que costumava treinar. De resto, só assistimos pelo carinho que temos pelos personagens, pois todo o realismo melancólico do primeiro filme é transformado aqui em drama forçado e inverossímil.

A redenção veio em 2006, com o longa "Rocky Balboa", trinta anos após o lançamento do primeiro filme. Praticamente ignorando os dois anteriores, veio emocionante, "furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio". É meu preferido e se iguala em qualidade ao de 76, ao qual espelha de forma reverente em seu desenvolvimento. Aqui, junto aos temas trabalhados nos filmes iniciais, há, mais do que qualquer coisa, reflexões sobre envelhecer com nossas perdas, lembranças, fantasmas e demônios interiores. Se você não se emocionar com esse, pode desistir de seu coração.

Esta semana está estreiando o ótimo "Creed", spin-off da série, em que Rocky, coadjuvante do filho do lendário Apolo Creed (Michael B. Jordan, em excelente química com Stallone) aprofunda os temas da dificuldade de envelhecer, perder o viço, ganhar saudades e sentir, a cada dia um pouquinho, a proximidade do fim. Pode ser uma ótima oportunidade de apresentar Balboa a pequenos fãs, que até podem não notar nesse momento, mas à medida que o tempo for passando, vão perceber que, na realidade, estavam vibrando, divertindo-se e se emocionando ao contemplar a própria imagem num espelho.


Por Ricardo Pereira

sábado, 16 de janeiro de 2016

A Visita

A Visita (2015), filme mais recente de M. Night Shyamalan, é mais um argumento de peso contra aqueles que insistem em desqualificar o diretor e suas obras.  Brincando com a ideia de a película ser um documentário amador, gravado por dois pré-adolescentes que vão passar uma semana na casa dos avós que nunca chegaram a conhecer, Shyamalan oferece ao espectador um filme de suspense poderoso, redondo, que não faz concessões à inclusão de cenas fortes e até mesmo da utilização do bom humor em algumas passagens.

Becca – Olivia DeJonge – e Tyler – Ed Oxenbould – são irmãos que vivem com a mãe recém-divorciada – Kathryn Hahn. Entendendo que ela precisa de um tempo com o novo namorado, eles decidem visitar os avós maternos que, por conta de uma briga com a filha antes mesmo de eles nascerem, não chegaram a conhecer os netos. Enquanto a mãe vai para um cruzeiro no Caribe junto com seu parceiro, os jovens seguem para o estado de Pensilvânia, Estados Unidos, numa verdadeira visita ao passado.

Becca aproveita a ocasião para gravar um documentário sobre o encontro com os avós. Mais do que eternizar o momento, ela quer tentar provar à mãe que a briga entre eles já foi esquecida. E então, entre um vídeo e outro, o espectador começa a entender que a ideia de redenção também serve como um dos fios condutores da obra. Os principais personagens de A Visita têm contas a acertar com o passado, seja ele recente ou distante.

A estadia dos pré-adolescentes na casa dos avós é acrescida de guloseimas, rememorações e alguns detalhes bizarros.  A contagem dos dias segue num crescendo de tensão e imprevisibilidade, mesmo que outras informações deem conta de que tudo segue em perfeita normalidade. De perto ninguém é normal, certo?

O mistério continua até o final do filme, numa sequência de acontecimentos tão poderosa quanto brutal, pontuada por uma trilha sonora desconcertante – e perfeita para a cena. Becca produz o documentário, Tyler dá seguimento à carreira de rapper – prepare-se para chorar de rir – e ambos conhecem os avós. Se algo deu errado no meio do caminho, são coisas da vida. Ou da morte.



Por Hugo Oliveira


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Mais 5 de 2015

A maior dificuldade ao elaborar listas de melhores do ano é a constatação de que é impossível assistir a todos os filmes, ouvir os discos ou ler os livros de seu interesse lançados no período de um ano. Já sabendo que minha lista de discos nacionais saiu desfalcada, aproveitei o começo de 2016 para me aprofundar em discos de 2015 que, por um motivo ou outro, passaram batido por aqui.

1.


O maior destaque, recomendação de meu grande amigo e referência de bom gosto musical, Cadu Corrêa, é AR, álbum conjunto de Almir Sater e Renato Teixeira. São dez canções em pouco mais de trinta minutos, de forma que você já acaba de ouvir voltando ao começo. Ao contrário da lamentação barata de parte do cancioneiro popular, aqui o amor é cantado de forma simples e bela, junto a retratos da vida no interior e certo existencialismo caipira.

Ouça, "O amor tem muitas maneiras", aqui em versão ao vivo:



2.

Outro destaque é Carbono, último lançamento do Lenine. Li ótimas críticas quando saiu, mas não procurei. Sempre fico com a impressão de o Lenine ser um cara gente boa demais, mas seu trabalho não me agradar. Até agora... Dei uma olhada no seu show do Rock in Rio ano passado (pela televisão, claro) e vi que havia algo diferente ali. E a audição atenta de Carbono confirmou, um disco sofisticado, com arranjos instigantes e sonoridade moderna sem  forçação ou pedantismo.

Ouça "O impossível vem pra ficar":




3.



Embora tenha gostado bem de Recanto, disco de Gal Costa lançado em 2011, não me empolguei em conhecer Estratosférica quando saiu. Ouvindo agora, percebo um álbum coeso, mais "convencional" do que o anterior, muito bem gravado, unindo as várias facetas da cantora. Se o "lado a" pouco impressionou, à despeito da belíssima "Jabitacá", de Junio Barreto, Lira e Bactéria, o "lado b" (a partir da faixa 8, "Por Baixo") é irrepreensível.

Veja, por exemplo, o clima e as paradinhas irresistíveis de "Anuviar":



4.

Roberta Sá e seu Delírio, em outras épocas, estariam na boca do povo. Disco repleto de sambas delicados e lindíssimos, tudo muito limpinho, tudo certinho demais, como a gente já ouviu, você sabe, em Marisa Monte... Mas o disco rola inteiro agradável e possui momentos de beleza extraordinária, como essa "Covardia", em parceria com António Zambujo:



5.

E por fim, um que saiu no finzinho do ano passado e, por isso, só conheci agora e vem fazendo parte do meu dia a dia nas férias é o ao vivo No Osso, da Marina Lima. Acompanho com interesse a carreira de Marina, que segue sempre evoluindo, curiosa e vibrante, sem viver 'de nome' ou 'dos 80', como alguns contemporâneos. Esse lançamento é o registro de uma apresentação praticamente só de voz e violão com uma ou outra programação ou um eventual baixo e teclado. A cantora conseguiu um clima de verdadeiro intimismo em um álbum cru e poderoso.

Ouça "Na minha mão":



Por Ricardo Pereira

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Cruzamento de passagens

Despertou num sobressalto, como se tivesse acabado de sair de um pesadelo. Embora ainda atordoado por algo que ele não sabia ao certo, levantou-se e caminhou lentamente para fora do quarto.

A luz do banheiro, cômodo instalado à frente, estava acesa. Em vez de entrar, parou por um instante num cruzamento de passagens. À esquerda, o quarto de hóspedes – estava fechado; à direita, a saída para a escadaria que levava à rua.

A porta da última estava aberta. Conseguiu ver algumas casas vizinhas e as estrelas que brilhavam no céu.

O silêncio do momento contrastava com o nervosismo que explodia dentro de seu peito e irradiava por todo corpo. Mesmo assim, num esforço sobre-humano, tentou manter uma postura cuidadosa.

Sabia que algo muito estranho estava acontecendo.

Respirou fundo. Fez o curto caminho de retorno ao quarto em que dormia com a esposa da maneira mais sorrateira possível. Em sete passos estava dentro do cômodo. Não ousou acender a luz, mas, ao virar o rosto em direção à cama, notou que sua mulher não estava no local.

Tomado pelo desespero, decidiu vistoriar o banheiro.

Estava com os sentidos enlouquecidos. Tremores tomavam seu corpo de assalto. Cada passo até o local parecia pesar uma tonelada, e o contato do pé com o chão causava verdadeiro choque.

Com os braços esticados e as mãos apoiadas nas laterais da porta, colocou, pouco a pouco, a cabeça dentro do cômodo. Parecia se mover em slow motion.

Lá dentro, um recipiente para roupas sujas. Uma balança de peso. Uma pia com pentes, escovas, pasta de dente, cremes e demais utensílios de higiene. Um vaso sanitário.

E um corpo estendido no chão.

Assustou-se e recuou num gesto brusco, jogando o corpo para trás. Desequilibrado, caiu dentro do seu quarto. Bateu a cabeça com força no chão, mas não sentiu nada.

Estava anestesiado pelo medo. Fez força para levantar, mas não conseguiu. Tentou gritar, mas a voz havia sumido.

Antes de perder os sentidos por completo, viu alguém chegando à porta do banheiro. Era a esposa, aos prantos. Ao lado dela, o vizinho da casa de baixo. A esposa ali, às lágrimas, com as mãos na cabeça, na entrada do banheiro, olhando para dentro do cômodo; o vizinho adentrando o recinto, olhos arregalados.

Tudo escureceu. Apagou ali mesmo, estendido no chão.

Estendido no chão do banheiro.


Por Hugo Oliveira

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bowie vive (e nós também)

David Bowie entrou na minha vida através da inesquecível levada de bateria na introdução de “Five Years”, canção que abre o disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spider From Mars (1972). 

Quando ingressei na faculdade de jornalismo, em 2002, os primeiros amigos que fiz no curso, Wagner Fester e Roberto Lestinge, indicaram com certa urgência a necessidade de conhecer o trabalho do inglês que, desde o final dos anos 60, vem deixando suas marcas não somente na música pop, mas na cultura mundial.

Eu morava em Campo Grande, no Rio de Janeiro, na época do curso de comunicação. Estudava em Ipanema. Pegava trem e ônibus para chegar ao campus. Uma hora e meia para ir e umas duas para voltar. Mesmo com todas as dificuldades, os primeiros dias no Rio foram fascinantes. Livrarias, lojas de disco, pontos turísticos que só via pela televisão... Era um paraíso para um garoto que cresceu em Angra dos Reis e que só saiu da cidade aos 23 anos.

Um dos lugares que costumava frequentar religiosamente era uma banca que vendia CD’s importados na Uruguaiana, um grande camelódromo no centro da cidade. Num belo dia, indo para a faculdade, resolvi dar uma parada estratégica para saber se alguma novidade havia pintado. Dito e feito: uma edição dupla comemorativa dos 30 anos do álbum Ziggy Stardust estava disponível. Tremi nas bases. A capa, as músicas, o encarte grosso e as canções extras fizeram com que eu retornasse a Campo Grande para desfalcar uma parte da grana que meus pais enviaram a mim, investindo-a na compra do disco. Naquele dia eu não fui à aula.

Assim que cheguei da rua, sentei no sofá e dei inicio ao ritual. Rasguei o plástico do disco com cuidado. Folheei o encarte e peguei o CD que continha o álbum remasterizado. Coloquei no Discman e pronto, fui capturado instantaneamente. “Five Years”, “Ziggy Stardust”, “Lady Stardust”, “Hang On to Yourself”, “Moonage Daydream”, “Suffragette City”, “Starman”, “Rock’n’Roll Suicide”… Canções lindas, criativas e fáceis, no melhor sentido possível. Estava convertido. E eu sabia que era para sempre.

Depois vieram outros discos. Diamond Dogs (1974), que ainda tinha muito da fase Glam e, ao mesmo tempo, acrescentava sonoridades diferentes, como o soul poderoso de “1984”, segue como um dos prediletos; Low (1977), um álbum quase inclassificável, também merece devoção. Logo eu, que nunca fui muito chegado a discos ditos difíceis, apaixonei-me de cara pelas faixas do CD. O que dizer, por exemplo, de uma canção como “Warszawa”, trilha sonora do mundo acabando e renascendo logo em seguida? Estupefação e beleza em doses cavalares.

Hunk Dory, Aladdin Sane, Pin Ups, Heroes, Station to Station, Young Americans e The Next Day – este último, presente do grande amigo Ricardo Pereira, companheiro de blog – completam a minha coleção particular, que ainda carece de títulos importantes como Scary Monsters (and Super Creeps), Lodger, Space Oddity, The Man Who Sold the World e Let’s Dance e o próprio Black Star, lançado dois dias antes da morte do artista.

A cultura pop tem uma grande dívida com Bowie. Punk, New Wave, No Wave, Post-punk, nada disso existiria sem ele. Bandas como Suede e até mesmo The Smiths, por exemplo, não teriam a mesma sonoridade brilhante; Lou Reed e Iggy Pop não lançariam discos tão essenciais quanto aqueles que, de alguma forma, têm a mão do camaleão.  Até o movimento gay precisa prestar reverência ao alienígena andrógino, pela declaração, mesmo que baseada numa jogada de marketing, de que ele era bissexual.

Eu também terei que pagar o que devo a Bowie, pelas maravilhosas músicas criadas por ele e seus parceiros. Vou efetuar o pagamento bem devagarzinho, parcelado, através da compra dos discos que ainda não tenho. Assim, mesmo que ele já não esteja entre nós de corpo presente, cada nova aquisição será saboreada como um disco inédito.

Assim, seguirei envelhecendo com a certeza de que Bowie ainda está por aqui, e que a qualquer momento, eu e o Marcel, sentados na cama da nossa mãe, vamos ouvir o Diamond Dogs e pirar.

Don’t think you knew you were in this song, “blódah”.

Turn and face the strange



Por Hugo Oliveira (para Marcel Oliveira)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O aniversário do camaleão do rock

Eu sei que chamar o músico inglês David Bowie, 69 primaveras completadas nesta sexta-feira, 8 de janeiro, de "camaleão do rock" é um dos clichês mais chinfrins da música pop. De qualquer forma, eu também reconheço que ele é verdadeiro.

Está pra nascer um artista como Bowie, que transitou por tantos estilos musicais de maneira inovadora e bem-sucedida. Tudo isso sem perder um tiquinho de credibilidade e qualidade.

Seguem agora cinco músicas do cantor, de diferentes fases de sua carreira, que continuam - e continuarão - caindo bem em qualquer ouvido que preze por bom gosto e criatividade musical, acima de tudo.

Parabéns, mestre. E que as novas gerações tenham a chance de conhecer o seu belíssimo trabalho!

1 - "Space Oddity", do disco Space Oddity (1969)


2 - "Life On Mars?", do disco Hunky Dory (1971)


3 - "1984", do disco Diamond Dogs (1974)


4 - "Heroes", do disco "Heroes" (1977)


5 - "Let's Dance", do disco Let's Dance (1983)


Por Hugo Oliveira

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Sessões Talk About The Passion apresenta... Rock Brasília - Era de Ouro

Não apenas o blog está de volta, como também o evento Sessões Talk About The Passion, que consiste em exibições de documentários e filmes voltados à cultura pop - em Angra dos Reis.

No sábado, 16 de janeiro, às 17h, o Centro Cultural Teophilo Massad – CCTM volta a receber este que vos escreve e o companheiro de blog Ricardo Pereira para mais uma sessão de cinema especial, com direito a bate-papo após a exibição da película.

Na segunda edição do evento será exibido o documentário Rock Brasília – Era de Ouro, do diretor Vladimir Carvalho. Lançado em 2011, o filme conta a história do nascimento do chamado Rock de Brasília através de bandas como Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. Mas não é só isso: mais do que um documentário sobre Rock, a obra também apresenta a cidade de Brasília como personagem da película, o que enriquece ainda mais a sessão por meio de informações e dados históricos.


O filme tem duração de 111 minutos – classificação etária: 12 anos. Os ingressos para assistir ao documentário serão distribuídos gratuitamente através da bilheteria do Teatro Municipal de Angra dos Reis, a partir das 15h. A sala de vídeo do CCTM tem capacidade para 50 pessoas, e fica localizada na Praça Marinha Greenhalg, S/N, São Bento.

Esperamos você lá! 



Por Hugo Oliveira